
No dia 5 de agosto de 2025, a Ripple Labs, uma das maiores empresas de infraestrutura blockchain do mundo, enviou uma contundente resposta ao Comitê Bancário do Senado dos EUA em relação ao projeto de lei que visa reformular a estrutura regulatória do mercado de ativos digitais. A carta, assinada por Stu Alderoty (Chief Legal Officer da Ripple), representa não apenas a visão de uma empresa, mas um grito coletivo por clareza jurídica, previsibilidade regulatória e proteção à inovação.
Neste artigo, vamos destrinchar os principais pontos da resposta da Ripple, analisar seus impactos para o futuro dos criptoativos e entender por que essa discussão interessa não apenas a empresas de tecnologia, mas também a investidores, reguladores e entusiastas da nova economia.
🧭 O Contexto: Regulação em Xeque
O cenário regulatório para ativos digitais nos Estados Unidos permanece incerto e fragmentado. A SEC (Securities and Exchange Commission) e a CFTC (Commodity Futures Trading Commission) disputam jurisdição sobre criptoativos, criando um ambiente de insegurança jurídica para empresas e usuários.
A proposta legislativa do Congresso, embora tenha o mérito de buscar uma divisão mais clara entre as atribuições da SEC e da CFTC, acabou provocando críticas por ampliar indevidamente o poder da SEC, sobretudo sobre tokens que já operam em redes descentralizadas há anos.
⚖️ O Coração do Debate: O Que é ou Não um Valor Mobiliário?
📌 A questão do “Ancillary Asset”
A proposta introduz o conceito de “ancillary asset” (ativo acessório), que, segundo a Ripple, gera um risco de supervisão perpétua pela SEC sobre tokens, mesmo que estes não tenham mais relação com um contrato de investimento. Na prática, isso pode significar que qualquer token já vendido em algum momento como parte de um projeto pode cair eternamente sob as rédeas da SEC.
Tokens como XRP, ETH e SOL poderiam ser tratados como valores mobiliários mesmo que:
- Já operem em redes permissionless;
- Não tenham mais vínculo com um emissor central;
- Não representem direito a lucros, dividendos ou participação societária.
📌 O Teste de Howey: Aplicação (Ab)usiva?
A SEC tem usado o famoso Teste de Howey — criado nos anos 1940 — para determinar o que é ou não um valor mobiliário. A Ripple argumenta que esse teste, concebido para contratos agrícolas no século XX, tem sido esticado além de seus limites originais para abranger praticamente qualquer projeto de blockchain.
O resultado? Regulação por enforcement — ou seja, por via judicial e sem diretrizes claras, gerando um ambiente de medo, punição e incerteza.
🔍 Os Pontos-Chave da Proposta da Ripple
✅ 1. Clareza na Jurisdição
A Ripple defende fronteiras objetivas e estatutárias entre o que é competência da SEC (valores mobiliários) e da CFTC (commodities), com base no uso real do ativo e não em interpretações retroativas.
✅ 2. Proteção à Inovação e ao Mercado
Tokens amplamente negociados há anos em redes abertas devem ser presumidamente isentos de nova regulamentação — uma espécie de “cláusula de avô” (grandfather clause), que preserva o funcionamento de mercados maduros.
✅ 3. Exclusão de Funções Técnicas da Regulação
Atividades como staking, mining, execução de smart contracts e validação de blocos não devem, por si só, disparar obrigações regulatórias típicas de valores mobiliários.
✅ 4. Regras Claras sobre Divulgação
O atual rascunho de regra sobre quando se encerram obrigações de divulgação é vago. A Ripple propõe critérios objetivos e previsíveis, como maturidade de mercado e ausência de controle centralizado.
✅ 5. Limites ao Poder Regulatório
A empresa critica a possibilidade de o projeto dar à SEC poderes ilimitados para redefinir termos como “parte relacionada” ou “controle comum”. Para a Ripple, é o Congresso quem deve definir os parâmetros — e não agências por meio de interpretações administrativas.
🌐 Federalismo e Preempção: União vs. Estados
Outro ponto crucial abordado pela Ripple é a preempção de leis estaduais. Para a empresa, a legislação federal deve prevalecer em áreas-chave como:
- Classificação de tokens;
- Estrutura de mercado;
- Emissão de stablecoins;
- Custódia de ativos digitais.
No entanto, os estados ainda devem manter poder em áreas como proteção ao consumidor e combate à fraude.
🧠 Conclusão: Um Marco Legal para o Século XXI
A resposta da Ripple ao Senado vai muito além da defesa de seus próprios interesses. Trata-se de uma contribuição técnica, jurídica e política à construção de um ambiente regulatório moderno, eficiente e que respeita a inovação.
Enquanto o debate se intensifica, fica claro que:
- A legislação atual está desatualizada para lidar com ativos digitais;
- A SEC não pode ser a única voz regulatória;
- O Congresso dos EUA tem o dever de oferecer diretrizes claras, objetivas e justas;
- E, sobretudo, a regulação não pode sufocar a inovação — precisa acompanhá-la.
✍️ Para Pensar…
Em um mundo em que as redes são descentralizadas, o valor é digital e os contratos são executados por código, ainda faz sentido regular tokens como se fossem ações de uma empresa?