
Como construir uma carteira de dividendos com segurança
Investir na Bolsa pode intimidar — termos como mult + fundamental, volatilidade e valuation parecem proibitivos. Mas existe um caminho simples e eficaz, ideal para quem busca renda passiva com clareza e segurança: a Fórmula de Bazin. Criada pelo jornalista e investidor brasileiro Décio Bazin, ela propõe um critério objetivo para escolher ações boas pagadoras de dividendos e evitar pagar caro por elas
Quem foi Décio Bazin e o que ele escreveu
Décio Bazin (1931–2003) foi jornalista econômico, atuou na Gazeta Mercantil, Estadão e na revista Balanço Financeiro, com formação em contabilidade e experiência como operador de corretora já nos anos 1960. Em 1992 lançou o livro Faça Fortuna com Ações Antes que Seja Tarde, que mistura sua trajetória, relatos do mercado e uma metodologia objetiva para investir com segurança e disciplina . O livro defende que a verdadeira riqueza vem dos dividendos pagos pelas empresas, mais do que do valor especulativo de suas ações.
A ideia central: renda presente acima da valorização futura
Bazin acreditava que muitos investidores se perdiam na expectativa de ações que subiriam muito, enquanto ignoravam o fluxo real de caixa que recebiam. Seu foco era empresas com lucro consistente, distribuindo dividendos regulares — isso tornava o investimento mais estável, menos dependente de alta de preços. A filosofia é clara: concentrar-se na renda passiva, firmar os pés no presente e resistir à tentação da especulação.
A fórmula descomplicada
O cerne do método é um cálculo direto: você coleta os dividendos dos últimos 5 anos e faz a média deles, sendo assim, basta dividir a média de dividendos por 0,06 (ou 6 %). Assim se obtém o “preço teto” — ou preço justo — que não deve ser ultrapassado na compra.
Por exemplo, se uma ação pagou R$ 3,00 por ano, então o preço-alvo seria R$ 3,00 ÷ 0,06, ou R$ 50,00. Preços abaixo desse valor indicam potencial subavaliação; acima, risco de sobre preço. Esse rendimento de ao menos 6 % foi escolhido por Bazin porque, naquela época, era um patamar que superava os rendimentos de renda fixa e compensava riscos do mercado acionário
A margem de segurança está no método
Ao exigir que o dividend yield (proporção entre dividendos e preço) seja igual ou superior a 6 %, Bazin cria uma margem automática: você apenas compra se o rendimento implícito for satisfatório. Isso reduz a chance de pagar demasiado por uma ação, mesmo se os preços subirem momentaneamente. Ao comprá-las abaixo do preço teto, há um colchão que protege contra quedas de mercado.
Figura: Exemplo da planilha da Fórmula de Bazin

Gerenciamento de risco sem complicação
O método inclui critérios simples para manter segurança:
- Priorizar empresas com liquidez, para garantir fácil compra e venda quando necessário .
- Exigir dividend yield definidos sobre os dividendos convertidos em dólar (cash yield) nos últimos pagamentos, evitando flutuações cambiais e eventos pontuais.
- Olhar para saúde financeira: evitar empresas muito endividadas, garantir payout moderado (não distribuir lucros a ponto de prejudicar o crescimento).
- Monitorar notícias e, se houver alertas negativos, vender imediatamente — mesmo que a notícia seja incerta — por prudência.
- Rebalancear carteira semestralmente, especialmente em abril e outubro, após fechamento de resultados e pagamento de proventos, descartando ações que não mantêm rendimento acima de 6 % por dois semestres consecutivos.
Essa disciplina permite organizar a carteira sem emocionalismo, com critérios objetivos de entrada e saída.
Escolhendo bons ativos na prática
Aplicar a fórmula requer alguns passos simples. Primeiro, filtrar empresas com fluxo de dividendos consistente nos últimos anos e boa liquidez. Em seguida aplicar o cálculo do preço teto: dividir a média de dividendos por 0,06 para saber até quanto pagar por ação. Comparar esse teto com o preço de mercado: se estiver abaixo, pode valer a pena. Ainda, conferir se o payout ratio está equilibrado — geralmente até 50 % — para que a empresa reinvista o suficiente em operação e crescimento.
Também se deve dar atenção ao endividamento: empresas saudáveis tendem a manter os dividendos mesmo em condições adversas. Setores como energia elétrica, saneamento ou infraestrutura tendem a se encaixar bem, por serem estáveis e previsíveis em fluxo de caixa. Após montar uma carteira (idealmente 10 a 15 ações diferentes), deve-se reavaliar periodicamente, garantindo que os papéis continuem cumprindo os critérios.
Reinvestindo dividendos: o poder do ciclo virtuoso
Um dos maiores trunfos do método é o reinvestimento dos dividendos. Cada vez que você usa os proventos recebidos para comprar mais ações que atendem à fórmula, começa o ciclo:
mais ações compradas = mais dividendos futuros gerados
mais dividendos = mais reinvestidos
e assim por diante.
Esse efeito cumulativo — o famoso “efeito bola de neve” — permite que seu patrimônio cresça exponencialmente ao longo dos anos, mesmo com preços de ações estáveis. É construção de renda passiva real, sem depender da valorização especulativa.
Tirar lucro ou reinvestir tudo — o que fazer?
Depende da fase do investidor. Durante a construção da carteira, é recomendável reinvestir 100 % dos dividendos, para acelerar o crescimento do patrimônio. Quando se atinge a fase de colheita — estágio em que você já possui uma base que gera renda suficiente — é possível retirar e viver dos dividendos, como um “salário” financeiro, sem vender ações.
Bazin propunha que, mesmo nessa fase, não fosse necessário vender papéis: basta usar os dividendos. Isso mantém o capital investido intacto e o fluxo contínuo de renda passiva.
Benefícios claros — e algumas limitações
Entre os pontos fortes estão a simplicidade da metodologia, a objetividade dos critérios, foco em renda passiva e a proteção contra pagar caro demais pelas ações. Ideal para investidores iniciantes ou conservadores que buscam clareza e segurança.
Mas a fórmula tem limitações: ela não considera o potencial de crescimento dos dividendos ou da empresa. Desconsidera companhias que reinvestem seus lucros em vez de distribui-los (como empresas de tecnologia ou pioneiras). Também não leva diretamente em conta métricas como ROE ou margem líquida, embora seus seguidores recomendem complementar com análise qualitativa.
É comum combinar o método com estudos de governança, dívida, consistência de lucros e projeções de crescimento.
Vale a pena investir assim hoje?
Ainda que o contexto de altas taxas de juros no Brasil tenha mudado desde os anos 1990, a essência do método permanece valiosa: buscar ações que entreguem renda passiva alta e previsível, desde que compradas a preços que façam sentido. Backtests mostram que, quem aplicou o método no Brasil desde os anos 1990, teve desempenho superior ao Ibovespa, com uma carteira concentrada porém menos volátil e rendimentos em dividendos médios de cerca de 7,5 % ao ano nos últimos anos.
Conclusão com propósito
A Fórmula de Bazin é uma ferramenta clara, acessível e poderosa para quem quer começar a investir com foco em dividendos. Ela entrega o que promete: disciplina, margem de segurança e foco em renda passiva. Se você aplicar consistentemente, reinvestir dividendos e manter critérios objetivos — sem emocionar-se nos altos e baixos do mercado — poderá construir uma base sólida para a tão desejada independência financeira.
Resumindo em palavras simples: escolha boas pagadoras de dividendos, pague menos do que vale, reinvista os proventos enquanto estiver acumulando, e retire quando precisar da renda, sem vender ativos. Mesmo que os dividendos e rendimentos mudem no futuro, você terá criado uma estrutura resiliente, orientada por dados concretos, não por palpites.